Casais que não se beijam na boca estão se
separando. Vão se tornando amigos, parentes, irmãos, até se esquecerem de
caminhar de mãos dadas. Vão se apartando do cheiro da pele, do gosto do abraço,
das provocações infantis de corredor, das pernas alisadas no fundo da coberta.
O beijo na boca é a autêntica aliança, o ouro que
vinga, a certidão que não desbota. Só que me refiro ao beijo mesmo, de girar o
corpo, o pescoço, o rosto. Selinho não conta, onde os lábios são uma carta para
quem já está distante. Beijo seco também não vale, onde não há a ameaça de
morder os lábios.
O beijo molhado é que une. Um beijo úmido por dia
renova o amor. O beijo de quem tem saudade dos tempos apaixonados, um beijo que
ainda sopre de volta os elogios ditos um para o outro. O beijo sussurrado, em
que os sons tremem com as respirações próximas.
O beijo que não tenha a necessidade de ser pensado
demais senão surge sem jeito, forçado, cinematográfico. O beijo que seja um
segredo a dois, que você extravie o horário e suspenda a noção do lugar. O
beijo que toque uma canção dentro, que desperte a vontade de dançar.
O beijo de língua não permite o vazio crescer, a
lacuna, o lapso. Pois uma ausência dentro de casa ainda tem conserto, duas
ausências não têm como recuperar – o par esqueceu o amor em algum lugar das
lembranças e não correu para reaver.
O beijo de língua desfaz as formalidades, os medos
e a educação que esfriam a relação. Beijo de língua é beijo para combater o
tédio, a mecânica repetida dos gestos. Beijo de língua salva os desaforos,
perdoa as críticas e as cobranças. É como uma janela batendo com a chegada da
chuva, uma porta batendo com o vento. É um susto que põe o coração a bater de
novo.
Nem o sexo resolve o que o beijo faz. A transa sem
beijo é apenas desafogo, catarse, apego de bichos. O beijo com língua é o que
nos singulariza entre os animais. Casais felizes sempre se buscam pela boca. É
uma receita simples de longevidade. Sem o beijo, a pessoa tem a vontade de
largar tudo e ficar sozinha. Com o beijo, ela não perde a vontade de largar
tudo, mas com a diferença de querer levar junto aquele que ama.
(Fabrício Carpinejar, jornalista e escritor
brasileiro)
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