Frank Mason
“Se me
perguntarem, não sei dizer o que comi ontem no almoço. Mas sou capaz de
reproduzir diálogos inteiros da minha juventude. Gozado, isso. Vai entender.
Memórias antigas? Nítidas, perfeitas, cheias de mínimos detalhes, cheiros e
sons até. Fatos recentes? Coitados. Vão se segurando em mim, como podem.
Parecem aqueles personagens de cinema, caras de terror, agarrados no alto do
edifício só pelas pontinhas dos dedos. Quase todos despencam. E pior: diante do
olhar de alguém que os vê de cima sem um pingo de misericórdia. Uma coisa ou
outra fica, é verdade. Meio desbotada, imprecisa, extremamente grata à mão do
cérebro que a resgata. Nenhum critério de seleção. A bobagem, o cérebro retém.
O notável, ele descarta. O recado é direto: chega de colecionar lembrancinhas
da viagem terrena. Fazer o que com toda tralha? Além do mais, com o correr ou o
arrastar dos anos, não há fortuna que pague tal excesso de bagagem. Entendo
perfeitamente os argumentos. Aceito sem queixumes. Só levo comigo o que a
alfândega da mente deixa passar.”
(Francisco Azevedo, em Eusoueles “fragmentos)
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