Armand Guillaumin
“Nunca se espera que pessoas responsáveis por
banheiros públicos, quaisquer que sejam, mantenham um diário digitando no
teclado de seu laptop. Devemos servir só para limpar de manhã até a noite,
polir as peças cromadas, esfregar, enxaguar, reabastecer os suportes de papel
higiênico e mais nada. Espera-se que uma zeladora de banheiro limpe, não que
escreva. As pessoas podem conceber que eu faça palavras cruzadas,
caça-palavras, palavras trancadas em todo tipo de tabela quadriculada. Essas
mesmas pessoas também podem aceitar que eu leia fotonovelas, revistas femininas
e de televisão nas horas vagas, mas se sentem insultadas quando sabem que eu
digito com meus dedos feridos pela água sanitária no teclado de um laptop a fim
de registrar meus pensamentos. Pior, ficam desconfiadas. Há um tipo de
mal-entendido, um erro na escalação do elenco. No mundo inferior, até um
infeliz computador de dez polegadas ligado ao lado de um pratinho para gorjetas
sempre acaba maculando a paisagem. Ah! Tentei muito usar meu laptop, mas logo
nas primeiras tentativas via no olhar das pessoas, às vezes indignadas, que
isso não ficava nada bem, que havia incompreensão e constrangimento, até
rejeição diante dessa situação anormal. Precisei rapidamente me render à
evidência de que as pessoas em geral só esperam uma coisa: que você ofereça a
imagem daquilo que elas querem que você seja. E reprovavam especialmente a
imagem que eu propunha a elas. Era uma visão do mundo superior, uma visão de
que não havia nada a se fazer aqui. Agora, se há uma lição que aprendi bem em
quase vinte e oito anos de existência na Terra é que o hábito deve fazer o
monge, e pouco importa o que a batina esconde. Desde então, eu iludo, eu
engano. O computador fica fora de vista, sabiamente guardado em sua capa ao pé
da minha cadeira. É mais fácil que deixem uma moeda para uma jovem tentando
arduamente resolver o jogo de sete erros da última revista da moda, mordendo a
ponta da caneta, do que para essa mesma mulher mergulhada na contemplação da
tela luminosa de seu laptop de última geração. Colocar-se sabiamente na fôrma,
vestir esse traje de zeladora de banheiro, tarefa pela qual me pagam, e
desempenhar o papel ajustando-se ao texto: é mais fácil para todo mundo, a
começar por mim. E, depois, isso tranquiliza as pessoas. Como minha tia sempre
diz, tialogismo número onze: ‘Um
cliente tranquilo será sempre mais generoso’. (...)
Com o tempo, aprendi a escrever sem parecer que
estou escrevendo. Preencho meus blocos de anotação diante da frágil mesinha que
me serve de escrivaninha, rabisco as páginas em meio à profusão de papel
acetinado das revistas à minha frente. Avanço aos pouquinhos. Não se passa um
dia sem que eu escreva. Não fazê-lo seria como não ter vivido esse dia, ter me
limitado a esse papel de limpadora-de-xixi-cocô-vômito que querem que eu
assuma, uma pobre moça que tem como única razão de viver essa função trivial
pela qual lhe pagam.”
(Jean-Paul Didierlaurent, no livro O leitor do trem das
6h27)
Nenhum comentário:
Postar um comentário