Henry Moore
“O livro nas mãos do padre foi como isca para os
olhos de Antonio José Bolívar. Pacientemente, esperou até que o padre, vencido
pelo sono, o deixasse cair de um lado.
Era uma biografia de São Francisco, a qual ele
examinou furtivamente, sentindo que ao fazê-lo cometia um pequeno roubo.
Juntava as sílabas, e à medida que o fazia, o
desejo de compreender tudo o que havia naquelas páginas o levou a repetir a
meia voz as palavras capturadas.
O padre despertou e observou, divertido, Antonio
José Bolívar com o nariz metido no livro.
— É interessante? — perguntou.
— Desculpe, eminência. Mas eu o vi dormindo, e não
quis incomodá-lo.
— Interessa-lhe? — repetiu o padre.
— Parece que fala muito de animais — respondeu
timidamente.
— São Francisco amava os animais. Amava todas as
criaturas de Deus.
— Eu também gosto deles. À minha maneira. O senhor
conhece São Francisco?
— Não. Deus me privou de tal prazer. São Francisco
morreu há muitíssimos anos. Quer dizer, deixou a vida terrena e agora vive
eternamente junto ao criador.
— Como sabe disso?
— Porque li o livro. É um dos meus preferidos.
O padre enfatizava suas palavras acariciando a rafada
brochura. Antonio José Bolívar o olhava enlevado, sentindo a coceira da inveja.
— O senhor leu muitos livros?
— Uma porção. Antes, quando ainda era jovem e meus
olhos não se cansavam, devorava toda obra que parasse em minhas mãos.
— Todos os livros tratam de santos?
— Não. No mundo há milhões e milhões de livros. Em
todas as línguas, e abrangem todos os temas, inclusive alguns que deveriam
estar proibidos aos homens.
Antonio José Bolívar não entendeu aquela censura e
continuou com os olhos cravados nas mãos do padre, mãos gorduchas, brancas
sobre a brochura escura.
— De que falam os outros livros?
— Já lhe disse. De todos os temas. Há livros de
aventuras, de ciência, histórias de seres virtuosos, de técnica, de amor…
O último interessou-lhe. Conhecia do amor aquilo
que ouvia nas canções, especialmente nos pasillos
cantados por Jurito Jaramillo, cuja voz de guaiaquilenho pobre às vezes
escapava de um rádio de pilhas tornando os homens taciturnos. Segundo os pasillos, o amor era como uma picada de
um inseto invisível, mas procurado por todos.
— Como são os livros de amor?
— Temo que não possa lhe falar disso. Não li mais
que um par.
— Não importa. Como são?
— Bem, contam a história de duas pessoas que se
conhecem, se amam e lutam para vencer as dificuldades que os impede de ser
felizes. ”
(Luís Sepúlveda, no livro Um velho que lia romances
de amor)
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