Tomás Santa Rosa
“O
que eu parecia e mostrava ser – pensei – nunca o havia sido, nem um único
minuto da minha vida. Não o havia sido na escola, nem na universidade, nem no
consultório. Será que com os outros acontecia o mesmo? Será que ninguém se
reconhece no seu exterior? Será que a imagem refletida lhes parece um cenário
de demonstrações grosseiras? Será que se apercebem com horror de um abismo que
se abre entre a percepção que os outros têm deles e a forma como eles se veem?
Que a intimidade interior e a intimidade exterior podem afastar de tal maneira
que acaba por tornar-se quase impossível considerá-las como intimidade com o
mesmo ser? A distância em relação aos outros para a qual nos transporta essa
consciência torna-se ainda maior quando compreendemos que a nossa imagem
exterior não surge aos outros como aos nossos próprios olhos. Não vemos as
pessoas como vemos casas, árvores ou estrelas. Vemo-las na expectativa de as
encontrarmos de uma determinada maneira, transformando-as, assim, em um pedaço
da própria interioridade. A força da imaginação forma-as de maneira que estejam
de acordo com os próprios desejos e as próprias esperanças, mas também de modo
a que nelas se confirmem os nossos próprios temores e preconceitos.”
(Mercier
Pascal, em Trem Noturno Para Lisboa)
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