Shane Sutton
“Enquanto o dia nascente se chocava contra os
vidros embaçados, o texto vertia de sua boca num longo filete de sílabas,
entrecortado aqui e ali de silêncios nos quais se precipitava o barulho do trem
em movimento. Para todos os passageiros presentes na composição, ele era o
leitor, um sujeito estranho que, todos os dias de semana, lia em voz alta e
inteligível as poucas páginas retiradas de sua bolsa. Eram fragmentos de livros
sem qualquer relação uns com os outros. O trecho de uma receita podia estar ao
lado da página quarenta e oito do último vencedor do Goncourt, um parágrafo de
romance policial podia seguir-se a uma página de um livro de história. Para
Guylain, pouco importava o conteúdo. Só o ato de ler tinha importância a seus
olhos. Ele expelia todos os textos com a mesma dedicação obstinada. E, a cada
vez, a magia se operava. As palavras, ao sair de seus lábios, levavam com elas
um pouco da náusea que o sufocava ao se aproximar da usina.”
(Jean-Paul
Didierlaurent, no livro O leitor do trem das 6h27)
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