quinta-feira, 23 de agosto de 2018

A vida, na verdade...

Ladyce West

“A vida, na verdade, assemelha-se a um navio — isto é, ao interior de um navio, com seus compartimentos estanques. Emergimos de um deles, selamos e trancamos as portas, e nos encontramos dentro de outro. Minha vida, desde que deixamos Southampton até o dia em que regressamos à Inglaterra, foi um desses compartimentos. Desde então sinto sempre a mesma coisa em relação a viagens. Passamos de uma maneira de viver a outra. Decerto, continuamos os mesmos mas somos ao mesmo tempo diferentes. A nova personalidade desembaraçou-se das centenas de teias de aranha e fios que nos envolvem como um casulo na vida do dia a dia doméstico: cartas a escrever, contas a pagar, tarefas a cumprir, amigos que queremos visitar, fotografias para revelar, roupas para cerzir, nurses, e empregadas a aplacar, vendedores e lavanderias a censurar! A vida em viagem é da essência do sonho. É algo fora do normal e, no entanto, faz parte da nossa vida. Está povoada de pessoas que jamais havíamos visto e que, segundo todas as probabilidades, jamais veremos de novo. Pode acontecer, eventualmente, em viagem, algo aborrecido, tal como o enjôo e a solidão, a saudade de alguém a quem amamos muito, (…). Mas nos sentimos como os vikings ou os mestres marinheiros da era elisabetana, que entraram num mundo de aventura, e o lar só é lar quando regressamos.”

(Agatha Christie, no livro Autobiografia)

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