quarta-feira, 1 de julho de 2015

Acontece por vezes de eu ir à praia...


“Acontece por vezes de eu ir à praia, sentindo a cabeça exposta ao vento que desejo gelado, mais do que o conhecemos por aqui. Desejo que ele me esvazie de todas as palavras gastas, de todos os hábitos linguísticos esgotados, para que eu possa voltar com o espírito purificado, limpo das escórias daquele palavreado sempre igual. Mas na primeira oportunidade que tenho de falar alguma coisa, tudo volta. A purificação pela qual anseio não acontece automaticamente. Preciso fazer alguma coisa, e preciso fazê-lo com palavras. Mas o quê? Não que eu queira fugir da minha língua e entrar em outra. Não, não se trata de uma deserção linguística. E me digo outra coisa: não é possível reinventar a linguagem. Mas então o que é que eu quero? Talvez seja assim: quero compor de um novo modo as palavras portuguesas. As frases que surgiriam dessa nova composição não devem ser incomuns ou extravagantes, nem exaltadas, afetadas ou forçadas. Teriam de ser frases arquetípicas da língua portuguesa, que constituiriam o seu centro, para que as pessoas tivessem a sensação de que brotam sem volteios e sem qualquer contaminação da própria essência transparente e cristalina dessa língua”

(Mercier Pascal, em Trem Noturno Para Lisboa)

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