quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O que eu parecia e mostrava ser...

Tomás Santa Rosa

“O que eu parecia e mostrava ser – pensei – nunca o havia sido, nem um único minuto da minha vida. Não o havia sido na escola, nem na universidade, nem no consultório. Será que com os outros acontecia o mesmo? Será que ninguém se reconhece no seu exterior? Será que a imagem refletida lhes parece um cenário de demonstrações grosseiras? Será que se apercebem com horror de um abismo que se abre entre a percepção que os outros têm deles e a forma como eles se veem? Que a intimidade interior e a intimidade exterior podem afastar de tal maneira que acaba por tornar-se quase impossível considerá-las como intimidade com o mesmo ser? A distância em relação aos outros para a qual nos transporta essa consciência torna-se ainda maior quando compreendemos que a nossa imagem exterior não surge aos outros como aos nossos próprios olhos. Não vemos as pessoas como vemos casas, árvores ou estrelas. Vemo-las na expectativa de as encontrarmos de uma determinada maneira, transformando-as, assim, em um pedaço da própria interioridade. A força da imaginação forma-as de maneira que estejam de acordo com os próprios desejos e as próprias esperanças, mas também de modo a que nelas se confirmem os nossos próprios temores e preconceitos.”

(Mercier Pascal, em Trem Noturno Para Lisboa)

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