segunda-feira, 27 de março de 2017

Enquanto o dia nascente...

Shane Sutton

“Enquanto o dia nascente se chocava contra os vidros embaçados, o texto vertia de sua boca num longo filete de sílabas, entrecortado aqui e ali de silêncios nos quais se precipitava o barulho do trem em movimento. Para todos os passageiros presentes na composição, ele era o leitor, um sujeito estranho que, todos os dias de semana, lia em voz alta e inteligível as poucas páginas retiradas de sua bolsa. Eram fragmentos de livros sem qualquer relação uns com os outros. O trecho de uma receita podia estar ao lado da página quarenta e oito do último vencedor do Goncourt, um parágrafo de romance policial podia seguir-se a uma página de um livro de história. Para Guylain, pouco importava o conteúdo. Só o ato de ler tinha importância a seus olhos. Ele expelia todos os textos com a mesma dedicação obstinada. E, a cada vez, a magia se operava. As palavras, ao sair de seus lábios, levavam com elas um pouco da náusea que o sufocava ao se aproximar da usina.”

(Jean-Paul Didierlaurent, no livro O leitor do trem das 6h27)

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